Quinta-feira, 1 de Julho de 2010
Num momento em que faltas pontuais de pão e vinho nas igrejas vem impedindo a realização de algumas missas, entrevistámos o Primaz da Igreja Aristotélica em Portugal, Monsenhor Dom Alexandre do Zêzere, ou Duquezezere, como era conhecido em criança.
Entrevista a Duquezezere
Entrevistador - Monsenhor, antes de mais queria agradecer-lhe por se disponibilizar a responder às nossas questões.
Duquezezere - De nada meu filho, estou aqui para o elucidar sobre todos os aspectos positivos da Igreja Aristotélica.
E - E quanto aos negativos?
D - Isso terá de perguntar a Sua Eminência Dunpeal. Eu só respondo mesmo pelas coisas boas.
E - Hmmm, tentemos então... Começando pela questão da falta de missas, como explica a situação actual em que nem há pão nem vinho nas igrejas?
D - Isso é mau, não é? Não respondo, pergunte ao Dunpeal.
E - E quanto à falta de vocações? Há povoações onde não existem párocos, ou onde os párocos são mais vezes vistos nas tavernas que na igreja.
D - Isso é mau também, portanto já sabe a quem perguntar. Mas meu filho, se há falta de vinho, porque acha que os padres vão para as tavernas? Há quem sugira até montar altares em cada taverna e diaconizar os taverneiros. Assim haverá sempre pão e vinho, a bebedeira terá um carácter divino, e a Igreja ainda ganha uns trocados.
E - Parece uma ideia engenhosa.
D - Ah é engenhosa? Então é minha. Se fosse má era do Dunpeal. E agora espere...
[Pausa enquanto dois acólitos puxam o lustre aos novos paramentos do arcebisbo.]
D - Pronto, diga lá!
E - Não acha um exagero culpar sempre Sua Eminência Dunpeal, quando é o senhor o Primaz de Portugal?
D - Comment? Je ne comprend pas. En français, s'il vous plait!
E - Ai! Outro com a mania das estrangeirices...
D - Ah desculpe, é que já estou em França há três dias. Por isso não estou muito a par dos assuntos portugueses.
E - Mas como Primaz não acha que o seu lugar devia ser em Portugal?
D - Entre aquele bando de bárbaros... perdão, de pessoas difíceis? Porque pensa que fugi... quero dizer... que vim recolher ensinamentos?
E - É que sendo Primaz de "Portugal"...
D - Se Christos e Aristóteles ascenderam ao céu para serem amados na Terra, deixem-me pelo menos ascender a Paris. Pode ser que assim pelo menos uma ou duas povoações portuguesas me tolere.
E - Desculpe, mas essa explicação é horrível.
D - É, não é? Também acho. Então deve ser do Dunpeal.
[Chegam mais dois acólitos que penteiam o arcebispo, e lhe fazem uma prova de anéis, para que ele decida qual é o anel mais digno de ser beijado.]
E - Adiante. Diz-se que o povo tem muita dificuldade em comunicar com o clero, e que o Primaz raramente responde a alguém. Porque será?
D - Ora, porque o povo não fala francês.
E - É só mesmo uma questão de língua?
D - Não, também de método. Passo o tempo a explicar, mas ninguém me ouve. As pessoas correm logo a gritar na Praça Pública, mas não é assim. A Praça é para os políticos, os arruaceiros e os artistas de circo (tudo sinónimos eu sei).
E - Então como deve um fiel comunicar com o alto clero?
D - Um fiel deve primeiro dirigir-se à sua paróquia. Aí procura um sacristão. Depois do sacristão, deve falar com um diácono, depois de um diácono com um padre. Mas atenção, às segundas, quartas e sextas só fala com o padre se o diácono não está. Às terças, quintas e sábados, só fala com o padre se o sacristão não é mais alto que o diácono. Se o sacristão for mais alto, então o fiel deve primeiro pedir que o diácono procure uma madre, e esta pedirá audiência com o padre, mas só se essa semana tiver começado com dia par. Se tiver começado com dia ímpar, e a madre for mais gorda que o padre, então deve ser o sacristão a escrever uma carta ao padre, o qual terá dois dias para responder, ou o caso deve ser entregue ao bispo.
E - Parece complicado...
D - ... Shhhh! Ainda não acabou. O bispo só lê a carta se houver 3 acólitos por perto, e a soma dos seus anos for ímpar. Caso contrário deve pedir a um cónego que se dirija ao fiel. O fiel falará com o cónego se for num mês de 30 dias, senão deve pedir ao diácono que o faça. Por outro lado, o cónego pode recusar audiência se nesse mês tiver havido 5 dias de chuva, remetendo o caso para o secretário do Arcebispo, o qual...
E - Chega obrigado, com um sistema desses não admira que nada chegue ao gabinete do Primaz. Devia haver um método mais simples.
D - E há.
E (embasbacado) - Há?
D - Há sim, basta insultar o Dunpeal. Casos desses são prioritários.
[Nova pausa para o arcebispo ensinar uma nova coreografia de vénias e bençãos aos seus acólitos.]
D (de lágrima ao canto do olho) - É por estas coisas que vale a pena ser padre, temos coreografias lindas e uns vestidinhos do melhor de Christian Dior e Christian Lacroix.
E - Bonito sim, mas parece demasiada ostentação...
D - Ora, Christian-Christos, não se vê logo? Ostentamos em nome da fé. Não sabe que ostentar vem de (h)óstia? E os meus 24 acólitos merecem. Fazem tudo o que eu lhes mando. Quer que os mande prostrar no chão?
E (constrangido) - Não obrigado! Deixe estar, por favor.
D - Eles gostam. Quer ver?
E (já segurando as mãos do arcebispo) - Não. Agradeço, mas não é preciso. Iam amarrotar os saiotes todos. E aviso-o que na entrevista anterior SE Dunpeal disse ter 36 acólitos.
D (encolerizado) - Ahhh cão do demo! Filho de uma senhora de reputação questionável! 36?
[E para um acólito]
D - Meu filho, põe já um anúncio: "Aberto o recrutamento de acólitos para servir o Primaz de Portugal. Procura-se: homens limpinhos, habituados a obedecer cegamente a qualquer ordem. Oferece-se: roupa da moda de acordo com as novidades da alta costura francesa, e viagens ao estrangeiro. Experiência prévia no uso das saias maternas será tida em consideração."
E - Gostaria de fazer uma última pergunta. Passando às questões de fé. Pensa que os fiéis portugueses são verdadeiramente devotos?
D - Penso sim, não podiam ser mais. É normal que em qualquer sociedade ameaçada pelo Demónio as pessoas busquem um forte conforto na religião.
E - O Demónio? Mas ele não é apenas uma figura literária? Um símbolo? Vai-me dizer que o Demónio existe mesmo?
D - Então não existe? É o Dunpeal!
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